quinta-feira, junho 05, 2008

Alice:Olho de flor

Alice mora no mundo das desmaravilhas. Desmaravilha pra quem vê através do espelho, maravilha é.
Alguém um dia precisa contar a Alice a beleza que ela não sabe ver, ensinar a cuidar da beleza delicada que desenha - sem saber - com cada um de seus passos.
Enquanto esse alguém não vem, ela continua seu caminho, continua cuidando das flores que finge não ver já mortas. E procura, procura sempre, sempre o perfume colorido que ela suspeita existir.
Alice não sabe de onde vem, nem como ou quando foi que seu riso morreu. Continua sempre andando, procurando, perdida, perdida.
(Mas se Alice aprendeu algo na vida, foi a disfarçar. Aprendeu cedo, e bem. Ninguém suspeita as desmaravilhas que ela inventa com seu olhar.)
Quem a vê, atravessa o espelho para alcançar a beleza que ela, ocupada ocultamente com suas desmaravilhas, não se atreve a imaginar.
Ela (perdida, perdida) ao se ver refletida no sorriso encantado de quem a vê, se encanta com o sorriso. E fica ali, olhando pelo tempo que conseguir, a beleza que ela não sabe que é sua. E que por não ser sabida, aumenta.

Alice gosta das flores e do espetáculo que é vê-las morrer. Admira, nestes pequenos pedaços de absurdo, a existência de um tempo próprio, inabalável.
Ninguém se atreve a ordenar que a flor se abra, este é um espetáculo que com muita sorte e paciência é dado assistir. Assim é com a morte de uma flor.
Esta beleza, Alice conhece bem - aprendeu com o tempo a ler os sinais que o vento dá de que uma flor começa a morrer. Apressada, ela corre pelo mundo das desmaravilhas buscando chegar a tempo de assistir o precioso último ato na vida de um pedaço de absurdo.


Alice ainda não sabe, mas seu destino é abrir-se como uma flor. Ela própria, insuspeita, é um destes seus amados pedaços de absurdo.
Alheia ao espetáculo que oferece a quem tiver olhos para ver, segue desenhando seu caminho de labirinto.
Olho de flor lentamente se abre para o mundo, levando o tempo suficiente para que não se saiba abrindo.

Sem querer, quase sem perceber, assim como se respira, Alice engravida o mundo de absurdo.