quinta-feira, julho 29, 2010

Sim, eu estou bem. A maior parte do tempo. Mas sempre acaba aparecendo uma brecha.
E então, eu sou tua de novo. Sou tua, deslocada no tempo. Faísca atrasada. Viva, e atrasada.

E tudo começa com uma pequena brecha. E vem sempre de onde eu não espero.
E como se a lente mudasse, tudo passa a ter uma sombra de ausência.

Começa pequeno, pedrinha no lago. Tarde demais. Não há mais como conter.

Daí em diante, não existe mais nada que se pareça com paz. Cada passo é a memória do outro que não aconteceu. Tudo dói. Dói de falta.
Como um novelo se desenrolando, pedaços do que a gente já foi se projetam em tudo o que cabe no meu olhar. Me assombram, abismo a cada passo.
É preciso agir rápido. A velocidade da queda pode se tornar insuportável.

O choro está pronto, mas aprendi a mantê-lo disciplinado. Não tendo chão onde desabar, me ocupo em manter o meu teatro. E ele me mantém.
Assim, olhando, ninguém desconfia da tempestade que eu carrego em movimento. Sorrisos, gentileza, alguma distância. É preciso um olhar atento para notar a tristeza que escapa pelos olhos, beleza escura.

Adio o silêncio pelo tempo que conseguir. No silêncio não há teatro, não há nada que proteja.
Falta o ar. A potência do choro apavora. É preciso adiar. É preciso dormir, e esperar que o sono atravesse a tempestade. E que a manhã ofereça um novo chão firme.
Ao abrir os olhos, já se sabe. Pode ser que os passos se tornem tranquilos. Pode também que a tempestade continue. Pode mesmo ter ficado mais forte, abismo sobre abismo.
Ao abrir os olhos, já se sabe.

E não deixe que a doçura te iluda. Te odeio inteira. Tenho em mim toda a raiva e toda a dor da minha criança machucada. Foi sempre a força nesse mergulho o que te atraiu e o que te assustou.
Te odeio com essa minha força de quem foi calado. De quem grita no próprio silêncio. De quem atravessa a tempestade ao lado da tua ausência.