segunda-feira, agosto 30, 2010

E seria

E tudo teria seu lugar.
E o sentido voltaria a pousar, cuidadoso, sobre cada gesto meu.
E esse galho quebrado que se instalou no meio do meu peito tomaria vida. E eu teria flores tuas em mim. Cada uma delas nascida do cheiro e do toque da tua pele. E nesse florescer me seria devolvida a força da doçura.
E eu te envolveria cuidadosamente nesse meu amor de flor e de tempestade.
E as minhas mãos no teu corpo seriam teu porto.
E o teu sorriso de sol seria o meu, a cada manhã.
E essa primavera que se aproxima chegaria no tempo exato de cumprir sua vocação.

quinta-feira, julho 29, 2010

Sim, eu estou bem. A maior parte do tempo. Mas sempre acaba aparecendo uma brecha.
E então, eu sou tua de novo. Sou tua, deslocada no tempo. Faísca atrasada. Viva, e atrasada.

E tudo começa com uma pequena brecha. E vem sempre de onde eu não espero.
E como se a lente mudasse, tudo passa a ter uma sombra de ausência.

Começa pequeno, pedrinha no lago. Tarde demais. Não há mais como conter.

Daí em diante, não existe mais nada que se pareça com paz. Cada passo é a memória do outro que não aconteceu. Tudo dói. Dói de falta.
Como um novelo se desenrolando, pedaços do que a gente já foi se projetam em tudo o que cabe no meu olhar. Me assombram, abismo a cada passo.
É preciso agir rápido. A velocidade da queda pode se tornar insuportável.

O choro está pronto, mas aprendi a mantê-lo disciplinado. Não tendo chão onde desabar, me ocupo em manter o meu teatro. E ele me mantém.
Assim, olhando, ninguém desconfia da tempestade que eu carrego em movimento. Sorrisos, gentileza, alguma distância. É preciso um olhar atento para notar a tristeza que escapa pelos olhos, beleza escura.

Adio o silêncio pelo tempo que conseguir. No silêncio não há teatro, não há nada que proteja.
Falta o ar. A potência do choro apavora. É preciso adiar. É preciso dormir, e esperar que o sono atravesse a tempestade. E que a manhã ofereça um novo chão firme.
Ao abrir os olhos, já se sabe. Pode ser que os passos se tornem tranquilos. Pode também que a tempestade continue. Pode mesmo ter ficado mais forte, abismo sobre abismo.
Ao abrir os olhos, já se sabe.

E não deixe que a doçura te iluda. Te odeio inteira. Tenho em mim toda a raiva e toda a dor da minha criança machucada. Foi sempre a força nesse mergulho o que te atraiu e o que te assustou.
Te odeio com essa minha força de quem foi calado. De quem grita no próprio silêncio. De quem atravessa a tempestade ao lado da tua ausência.

segunda-feira, julho 05, 2010

sol de dentro

hoje me deu um sol de dentro.
me acontece às vezes.

achei que tinha parado com essa história de vomitar coelhinhos. acho que isso não se pára.
algo foi se gestando em silêncio, e agora me toma.

um estado de sol.
e tudo se coloca em movimento.

sexta-feira, junho 25, 2010

Sobre o amor

É estranho pensar. Acho engraçado até.

O que eu pensei é o seguinte: quando se ama alguém, principalmente quando esse alguém não te ama, a pessoa carrega por aí algo teu. Anda por aí, em lugares desconhecidos, sabe-se lá com quem, mas carrega algo teu. Estranho pensar.
O amor vai junto com a pessoa. Não sei onde ela está agora, neste momento. Pode estar na casa que eu conheço. Pode estar se entregando para outra pessoa. Não importa. Meu amor está lá. E eu não tenho controle sobre isso.
O mais perturbador é que, andando por aí, corro o risco de encontrar esse pedaço de mim que ela carrega. É meu, mas está com ela. É sempre um risco. E dá medo. É triste ver meu amor andando por aí, distante. Quero de volta.
Às vezes dói sentir o buraco que esse pedaço de mim deixou. É no peito. E só quem sente entende. Falta um pedaço. E ele anda por aí. Dói. E dá medo de encontrar. Esse pedaço lá, entregue e quem não o quer. A quem anda distribuindo seus pedaços por onde bem entender.
Dá vontade de pedir cuidado. Mas não se pode pedir nada. Apenas esperar. Esperar o dia em que esse pedaço desgarrado volte. Um dia ele volta. De tanto não ser cuidado, ele acaba voltando. Cansa, e volta. Demora, mas volta.
Por enquanto passeia por lugares que eu não consigo imaginar. Não quero imaginar. Não suporto.
Volta, pedaço. Te espero.
Volta pro meu peito.
Te espero. Espero o dia em que vais cansar dessa falta de cuidado, dessa falta de te querer. E estarei aqui. De peito aberto, para ocupares o teu lugar. E vou estar plena quando voltares.
Toma o teu tempo. Sei que precisas. É difícil, eu sei. Vontade de ficar, de ser acolhido. Uma hora vais cansar.
E eu espero, pacientemente.

quinta-feira, abril 08, 2010

Encontrei um texto que não sei quando escrevi:



Sinto a escrita dentro de mim. Ela se esconde muitas vezes. Mas a sinto. Preciso escrever.
Lanço ao mundo. Há muito por sair destes jardins que me habitam. Escrita. Costura. Dança. Voz.
Me sinto ligada ao que anseia por sair.
Ainda sou tomada por clarezas repentinas. Um movimento de mundo que me encontra e me faz mover. Desejo. Me lanço. É preciso. Sou impelida em direção a grandes pequenos movimentos.
Clareza repentina. Um sentido que parece poder ser tocado. Real. Presente. Certo.
Um passo rapidamente calculado. Frio na barriga. É para lá que o meu desejo aponta.
Ensaio tentativas de me amparar na razão. A cada pensamento uma sensação me arrebata. Uma grande clareza. Irreparável. É para lá. O caminho se faz repentinamente certo. Uma trilha se abre e me chama. Não vejo muito longe. Vejo o suficiente para os primeiros passos. Passos quase em paz. Algum medo do pedaço do caminho que se esconde além do meu olhar. Não me parece restar outra alternativa. Preparo os primeiros passos. Espero encontrar outras clarezas mais adiante.
Em pausa. Não creio que restará por muito tempo. A pausa de quem direciona o movimento com cuidado. Com zelo. Carinho, até. Sou tomada por um imenso carinho pelo pedaço de caminho que se apresenta. Suas pedrinhas, a areia, seu cheiro de mato. Observo atentamente, sem inquietação. Apenas contemplo. Estranha sensação de familiaridade com o inédito. Sensação de reencontrar a casa em um novo amor. Posso pisar com tranquilidade e firmeza. Encontro paz no novo.