sábado, maio 21, 2005

Nos Poços

Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.


Caio Fernando Abreu.

Um comentário:

Vicente disse...

caí do tempo, na real,
meu pescoço cortado,
saiu de mim o interno
minhas vestes tombaram
eu corri, mas não tinha corpo
livre das personas,
corri, sorri, morri?
Um escuro se abriu,
mas não tinha olhos pra ver
e uns tijolos úmidos,
mas não tinha tato pra sentir
uma água gelada, frio,
silêncio, sem ouvidos pra ouvir,
caí num poço de liberdade..
nada a fazer, nada pra ver,
nada a tatear, cheirar, ouvir,
mas eu estava lá..!
Era como um poço, se pudesse sentir
era como uma morte se pudesse saber
tudo puro, realidade, mas
não posso explicar o que nem vi
uma realidade turva e verdadeira.
Até que um mar, me puxa de volta..
ondas de um coração que move,
entrei pescoço a dentro
numa persona e outra.
Tenho sentidos e limitaçõs
outra vez.. e o que fazer com eles?
Sei que a água segue no poço,
mas, meus sentidos não me deixam ver,
minhas peles e carnes me escravizam.
Onde é a fronteira?
O poço segue oculto entre meus ossos,
mero recipiente, que recebe a água,
que não sei de onde vem,
que não sei pra onde vai
e tende a voltar pro mar.